
Esse filme tem uma história incrível sob vários espectros, mas hoje escolhi a construção da conjugalidade. Inicialmente a personagem Susan se interessa por um jovem numa lanchonete. Tal interesse é bem efêmero, parece não passar de uma identificação, já que gostam de coisas semelhantes e se divertem nos poucos minutos que conversam. Com o passar do filme este casal perde força, pois o foco é direcionado para a relação pai-filha. Você pode se perguntar o porquê de falar sobre parentalidade e família de origem, mas é impossível debater ou mesmo entender sobre a construção da conjugalidade sem voltar um pouco para a relação entre Susan e seu pai, Bill. Ela vê nesta figura um porto seguro, um sentido de cuidado que a direciona nas escolhas.
Na verdade, Bill tem esse poder, já que suas duas filhas escolhem os parceiros que são convenientes a ele. Susan, cuidadora nata e desprendida de bens materiais fica noiva de Drew, ambicioso e seguidor de seu pai. Um casal sem química nenhuma, que parece seguir a uma lealdade geracional, é resultado de uma indiferenciação do self de Susan, ainda muito ligada a forma da proximidade e necessidade de aceitação do pai. Enquanto o self permanece pobremente diferenciado é muito difícil que a conjugalidade tenha espaço para se construir e os relacionamentos acabam por ser meros espelhos daquilo que nos mantem como parte da família.
Neste ambiente fusionado, Joe Black aparece e seu nome não é escolhido por acaso. Dar um nome comum para a morte é justamente naturalizar o mais natural dos processos: a transformação. Sim, a morte aparece neste filme não como o fim, mas como a chave que gira e abre espaço para novos caminhos. Quando o espaço para o novo é aberto, a simbiose começa a se enfraquecer e aí sim temos campo fértil para a conjugalidade. Susan se interessa pela “ingenuidade” de Joe ao mesmo tempo que lembra da conexão com o cara da lanchonete. Essa relação se baseia no “novo” à medida que ambos se conectam pelo aprendizado. Ela que passou a vida cuidado e ele “matando”. Isso que parece antagonismo na verdade é apenas a pluralidade que a conjugalidade exige. Dois iguais não aprendem nada, não constroem nada. Susan e Joe se conectam pelo que nunca experimentaram, seja a manteiga de amendoim ou o sexo. À medida que ela o percebe próximo, mas não subserviente a seu pai, se conecta como que ela pode ser.
Se entregar a este novo relacionamento significa manter laços e não se apertar em nós. O pai morre, mas isso é simbólico. Ele precisa morrer para que a conjugalidade genuína surja, para que ela olhe nos olhos de quem ela realmente escolheu e valide sua escolha. Um casal nasce á medida que os conjugues se percebem conectados a sua família de origem(ela promete amor eterno ao pai) e seguram na mão de seu parceiro e parceira, andando para o outro lado do monte, como a cena final.
Enfim, esse filme nos apresenta sutilmente a um casal que nasce da morte e isso não tem nada de macabro, isso sim é romance!!!